segunda-feira, 23 de junho de 2014
Empreendedorismo / Jovem se forma em direito e continua sendo engraxate
Com
o dinheiro que ganhou trabalhando limpando, o engraxate Joaquim
Pereira, de 24 anos, acaba de se formar em direito em uma instituição
particular de Goiânia. Mesmo com o diploma em mãos, ele não abandonou o
ofício que aprendeu quando era criança e que lhe rende cerca de R$ 2 mil
por mês.
Agora,
o objetivo é se preparar para passar no Exame da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e, depois, continuar estudando para ser promotor de
Justiça. “Não quero ser qualquer profissional”, ressalta. Até lá, o
jovem comunicativo e bem-humorado continuará cativando seus clientes
como engraxate nas ruas do centro da capital. Sem deixar a vaidade de
lado, já que uma das suas peculiaridades é trabalhar sempre bem vestido,
com calça, camisa e sapatos impecáveis.
Ao
deixar a cidade de Monte de Alegre de Goiás, na região nordeste do
estado, em 2006, o jovem não se imaginava formado. Joaquim lembra que
quando saiu da sua cidade natal para morar na capital tinha a esperança
de que logo seria contratado em uma empresa e se tornaria um
profissional de destaque. Mas viu que não era bem assim. Ele demorou
três meses para conseguir emprego em uma fábrica de enxovais. Quando
recebeu o primeiro salário mínimo, concluiu que não era o suficiente
para se manter em Goiânia. Na época, ele morava com o irmão. “Vim pra
trabalhar. Depois, vi que precisava estudar para crescer, para ter um
emprego melhor”, conta.
Devido
à insatisfação com o emprego, ele decidiu, em um sábado, ir para as
ruas de Goiânia e ver como se sairia de engraxate. “Ganhei R$ 20 e
atendi umas dez pessoas. Mesmo não sendo muito, fiz as contas e vi que
podia render”, afirma. Segundo ele, na segunda-feira, três meses após
ser admitido na fábrica, pediu demissão. “Indagaram porque eu retrairia
tanto. Pensaram que eu estava revoltado”, lembra. O jovem comenta ainda
que não foi uma decisão fácil, pois teve medo de ser rejeitado. “Tive
medo da reação dos meus amigos e dos colegas”, diz.
No
primeiro semestre que trabalhou como engraxate, Joaquim terminou o
ensino médio em uma escola pública de Goiânia e começou um curso de
webdesigner, mas não gostou. Enquanto isso, a profissão de engraxate
deslanchava.
As
pessoas para quem engraxou sem cobrar nada nas primeiras vezes se
tornaram seus clientes. A simpatia e a abordagem especial atraíram
muitos outros e fez com que ele ficasse conhecido nos locais onde
trabalha como na Praça Cívica, onde está o Centro Administrativo do
Governo de Goiás. O “samba da vitória”, som que ele faz com um pano ao
polir os sapatos, virou sua marca registrada. Joaquim conquistou uma
clientela fixa. De R$ 20 por dia, ele passou a faturar até R$ 100.
Depois
de um ano limpando sapatos, Joaquim decidiu que entraria para uma
faculdade de direito. “Vendo o dia a dia dos advogados e conversando com
eles, concluí que queria ser um deles”, afirma. A decisão de ingressar
em uma universidade foi criticada por muitos conhecidos. “Falavam que eu
não daria conta de terminar, que era muito difícil e caro”, conta. No
entanto, ele persistiu com o sonho de se formar, passou no vestibular e
começou, em 2008, o curso de direito em uma instituição de ensino
particular.
“Se a gente quiser ter sucesso na vida, tem que se submeter ao risco”, ressalta.
Joaquim
afirma que os cinco anos da faculdade não foram fáceis. “Já na primeira
prova tirei zero. Aquilo me baqueou, até pensei em desistir, mas falei
‘vou estudar’, e assim fiz”, recorda-se. Ele estudava de manhã, e à
tarde ia trabalhar como engraxate até as 19h, pois precisava ganhar
dinheiro para pagar o curso.
Além
de estudar e trabalhar nas ruas, Joaquim tinha de cumprir suas tarefas
domésticas, como lavar roupa e arrumar a casa. O irmão dele se casou e
ele foi morar com um amigo, no Centro de Goiânia. O bacharel em direito
ainda conta que separava um tempo para tocar violão e estudar música,
que é uma de suas paixões. Ele é evangélico e gosta de cantar na igreja.
“Tem que ter disciplina para ter tempo de fazer tudo”, ensina.
A
ajuda para pagar a faculdade veio no 7º período, quando ele conseguiu
uma bolsa da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). Na mesma época,
ele também conseguiu um estágio na Procuradoria Geral do Município por
indicação de um cliente, onde trabalhou até dezembro do ano passado.
Apesar do trabalho, ele continuou a engraxar nos horários livres.
A colação de grau ocorreu no último dia 19, na capital goiana. “Foi extraordinário. Estou muito feliz”, comenta.
Sonhos
Mesmo
formado, Joaquim não se importa de engraxar sapatos nas ruas de
Goiânia. O jovem tem a admiração de seus clientes. “Ele é um exemplo de
que nada é impossível. Poucas pessoas têm a capacidade e o esforço de
concluir um curso superior engraxando sapato”, ressalta o advogado
Aldemir Leão da Silva. O rapaz garante que exercerá a função até
encontrar um bom emprego, com boa remuneração.
Inicialmente,
o objetivo é passar no exame da OAB para ter seu registro de advogado e
poder exercer a profissão que escolheu. Devido ao seu esforço, o jovem
ganhou um curso preparatório para a prova, que ocorrerá em agosto. As
aulas serão julho.
Depois
de fazer a prova, Joaquim vai começar uma pós-graduação. Ele ganhou
bolsa integral da especialização, que, se ele fosse pagar, custaria
cerca de R$ 9 mil. Joaquim sonha alto, ele quer se tornar um promotor de
Justiça. “Vou continuar estudando cada vez mais para passar em um
concurso e ser promotor”, reforça.
Com
o dinheiro de engraxate, ele também conseguiu tirar a Carteira Nacional
de Habilitação. Esse é um primeiro passo para alcançar outro objetivo,
o de trocar a bicicleta por um carro.
“Quando se sonha, se tem um objetivo e não desiste, as coisas acontecem”, ressalta.
Com informações do G1
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